ALIENAÇÃO E CONFORMISMO
GRAMSCI disse que “as massas são educadas para serem conformistas, para
não lutarem nem mesmo pelos seus próprios interesses imediatos”.
Quando esteve no Brasil, à Era Colonial, Montaigne observou que os
nativos brasileiros, contrariamente ao que determinava a cultura oficial
portuguesa administrada pelos jesuítas, ficavam admirados e espantados
ao verem uma enorme quantidade de pobres
mendigando à porta de poucos tão ricos sem nenhuma revolta. O pensador
francês percebeu, ainda, que duas coisas os selvagens aprendem desde a
infância: valentia diante do inimigo e amizade protetora por suas
mulheres. Se travam guerra – diz Montaigne – o prêmio é a glória pura, o
conceito de que passam a gozar como guerreiros de coragem e nobres
princípios e virtudes.
Sêneca exalta o lutador que tomba e aferrado
à própria bravura, continua de joelhos, sem medo da morte que chega:
“Sucumbe sem desfitar o inimigo. O olhar é firme e altaneiro, pois a
morte é a vencedora, e não o adversário. Será morto, não vencido”.
Essas afirmativas não foram criadas do nada, ou de graça, pois o
filósofo francês tivera um encontro com nativos brasileiros. Uma outra
coisa que espantava os índios era o fato de guerreiros tão fortes
obedecendo a um rei criança, quando um guerreiro poderia ser escolhido
para chefe. Entenderam?!
Houve um tempo, neste País, que não se
questionavam tais coisas, pois que estabelecidas por um sistema social
dominante nos moldes do capitalismo importado. Era a época do AMEM.
A EDUCAÇÃO herdade pelos nossos antepassados (ou dos nossos
antepassados) e que chegou até nós, infelizmente não mudou muito. Há
somente frágeis indícios do enfraquecimento do longo inverno da
imobilidade pensativa, que se abateu na consciência brasileira a partir
da cultura lusitana trazida e imposta aos índios a ferro (a língua, os
costumes, o sistema trabalhista, a religião) pelos padres jesuítas. Os
AIEs – Aparelhos Ideológicos de Estado (Althusser) – igreja, família,
escola, sindicatos, mídia, o esporte , a arte e até ciência, etc., desse
modo, estão e estiveram sempre a serviço da estrutura de cominação
capitalista, alienando pela inculcação e pelo consenso. Os nativos
brasileiros, por não aceitarem a cultura do branco português, foram
considerados incapazes de aprender. Por isso, rotulados, escravizados,
exterminados.
Desse jeito, organizações sociais que aparentemente
lutam pelos interesses das classes dominadas, de fato são aparatos de
governo agindo em comunhão com o poder executivo a fim de cumprir o seu
principal papel: manter a ordem da divisão de classes em prol dos seus
próprios interesses, e não das classes dominadas. O pivô do controle das
categorias e sua submissão perene se faz pela preservação da aparência
das coisas na ordem estabelecida. Assim, conformados com o atual sistema
político, econômico e de trabalho imposto pelo capitalismo, as classes
produtoras sequer desconfiam de que, por trás do modelo de produção e
reprodução estabelecido forças desconhecidas atuam incansavelmente por
sua perpetuação.
Há, por outro lado, profissionais dessas áreas,
que incoerentemente até julgam estar prestando um grande trabalho à
comunidade quando, na realidade, estão defendendo, sem o saber, o
patrimônio0, o interesse e a estrutura de riqueza de grupos econômicos e
políticos minoritários, em cujos planos, tais intelectuais orgânicos
não estão inseridos. Ao contrário, estão contribuindo para o mantimento
da organicidade hegemônica responsável pelo empobrecimento da sociedade
trabalhadora. Portanto, fala-se muito em nome do povo e, em seu nome, e
por intermédio dele o capitalismo neo-liberal vai-se projetando nos
quadros políticos superiores, no mundo empresarial, no universo
fantástico do sucesso econômico, em contraste com o plebeísmo da
sobrevivência de 85% da sociedade brasileira.
Quando um grupo
político decide manter ou fazer parte do estruturalismo conservador de
dominação – em nome do povo, pela libertação desse mesmo povo – no
Município, no Estado ou no País, oferece um representante legitimado
pelo próprio grupo para disputar “as próprias próximas eleições” , cujo
pensamento bem se amolda e expressa a mesma estrutura política dos
membros que o geraram. E o povo vai sendo excluído do governo, da
participação democrática dos destinos das cidades, do Estado e do País.
(Em realidade histórica, o povo nunca governou). O ritual é o mesmo da
classe que consegue, sempre, se manter no poder. Os atores políticos
são, necessariamente, os mesmos. O discurso ideológico é fielmente o
mesmo e as coisas, pela aparência, pela alienação e pelo conformismo,
permanecem igualmente as mesmas: os ricos, cada vez mais ricos e os
miseráveis, cada vez mais miseráveis.
Para manter o esquema
histórico e tradicionalista, o Estado conta com a significativa
contribuição religiosa, que vai garantindo a obediência canina, o
conformismo e a ignorância dos fieis. Conta também o Estado com a
instituição da escola, que educa os alunos e os prepara para a
mão-de-obra barata e subalterna na empresa. Soma ainda, do lado da
mídia, com a cultura da comunicação alienante que oferece programas
desvinculados dos questionamentos do quadro social. Por outro lado, a
arte que expressa a cultura capitalista, nas letras musicais vazias de
propostas transformadoras da juventude, que não lê os documentos da
Igreja ou dos AIEs, para entendê-los e agir em prol de uma nova ordem
social. Nas narrativas das novelas se dá o mesmo e, inclusive, na
própria ciência e tecnologia das quais o Estado se apodera, por
intermédio do capital e da legislação para, usando-as, conservar sua
soberania e estrutura de poder sobre a sociedade trabalhadora. Os
tribunais e as forças militares garantem a perpetuação de poder, como
AEE – Aparelhos Executores de Estado. Enfim, do lado do Estado estão
todas essas macro forças controladoras e opressoras como entidades de
apoio à dominação, pacificação e ao conformismo das massas ajudando-o a
cumprir a lei e preservar os costumes (políticos, sociais, econômicos,
trabalhistas, culturais, religiosos, etc.).Nosso País, a exemplo, está
vivendo em tempos diferentes. Vive imerso em eras contraditórias e
distantes umas das outras: da Era Medieval à Terceira Revolução
Industrial ou A Terceira Onda- de Alvin Toffler, escritor futurista
norte-americano. As classes dos miseráveis, das periferias das cidades
brasileiras¸ grandes e pequenas, que constituem a maioria dos
municípios, passam por um estado de pobreza econômica e social
insustentável, recuada há séculos no tempo, sem direito à educação de
qualidade, à saúde, à alimentação e moradia, como bens de consumo
básicos, sem contar o afastamento do mundo da informática, da
eletrônica, da ciência... Por outro lado, um pequeno grupo de burgueses,
de 15% da população nacional, concentrando 85% do PIB nacional,
banqueteia-se com as maravilhas do final do século 20 e início do 21,
daquilo tudo que o dinheiro pode oferecer. Tudo o que o capitalismo pode
proporcionar ele, o pequeno grupo, detém em abundância. Apesar disso,
não se desconfia de que as estruturas de poder, de dominação e de
empobrecimento gradativo do nosso povo se projetam de modo muito sutil
no discurso dos citados aparelhos de Estado e das classes dominantes. E o
pior – como propõe o tema – não se detecta revolta coletiva da classe
trabalhadora, assalariada. As manifestações de micro grupos sociais logo
são desestruturadas por um vandalismo baderneiro, enfraquecendo o
objetivo dos protestos. Os dois universos sociais distintos, convivem
lado a lado, como na Era Colonial, observada por Montaigne, parecendo
determinado por uma força superior. Assim como ocorria durante a
dominação jesuíta e Inquisição Católica, o mesmo se dá na Era do
Computador: “Deus quer assim; Deus fez o mundo assim” – doutrina de
inculcação capitalista. Pergunta-se ao defensores dessa ideologia, por
que Deus não quis o contrário? A ideologia dominante funciona assim, em
nível de senso comum. Estamos vivendo num tempo de revisão e redefinição
dos sistemas sociais impostos há milênios à sofrida humanidade, que
deve acordar da sonolência crônica, da anestesia ideológica defendida
por pequenos grupos econômicos e expressadas por intelectuais orgânicos
inseridos no meio da sociedade para maltratá-la e empobrecê-la cada vez
mais, política e conscientemente. “Não há mais beleza se não na luta”. –
Propunham os futuristas do início do século passado. Assim, por mais
que esses intelectuais orgânicos tentem “esconder” agora seus mecanismos
de dominação, terão que esclarecer, por outro lado, por que insistem em
manter o atual estágio de coisas responsáveis pelo atraso e pela
infelicidade do gênero humano, enquanto atravessam os séculos tão
satisfeitos com a vida. As fórmulas mágicas já não são suficientes para
fazer calar as dúvidas que povoam a consciência humana do século 20 e
início do século 21. Políticos indigestos, capitalistas inescrupulosos,
sacerdotes antiquados, educadores obsoletos e aparelhos de repressão
ideológicos ou reestruturam sua atuação a bem da coletividade, tomando
uma linha dialética e progressista, ou desaparecerão nas névoas da nova
ordem social que está surgindo.
O homem é o único animal que
pergunta. Se de posse dessa consciência, fugirá da cultura do AMEM ,
para a cultura do POR QUÊ? Os furos do pano alienador tem-se rompido , e
as velhas catedrais do saber medieval estão ruindo.
A nova
mentalidade universal se agiganta e nela não haverá espaço para as
carrancas capitalistas que escraviza o Brasil, desde o colonialismo.
Atores sociais progressistas já não se preocupam com apenas o seu
próprio futuro, mas com o futuro da humanidade, pela educação, pela
capacidade cognitiva e pelo questionamento, pela luta de classe.
Ramos Pontes
Janeiro/Fevereiro 1995
Agosto de 2013.
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